Para Timor-Leste, quase 800 milhões de dólares é muito dinheiro, diz Presidente
Recebi do Parlamento Nacional, para promulgação, a Lei do Orçamento Rectificativo (OR). É um orçamento vultuoso para se gastar até ao fim deste ano de 2008.
O Governo pede agora mais 440 milhões de dólares, totalizando assim o Orçamento Geral do Estado (OGE), para 2008, em cerca de 800 milhões, o que significa um aumento de 122% do OGE. O orçamento inicial de 2008 previa gastar cerca de 350 milhões de dólares
Com o Orçamento Rectificativo, o Governo quer, portanto, gastar – em 5 meses – até Dezembro, o dobro do montante do orçamento inicialmente previsto para gastar em 12 meses.
Este grande aumento – súbito – da despesa do Estado causou naturalmente alguma surpresa e alguma preocupação, não só em Timor-Leste, como também junto dos parceiros de desenvolvimento. Tenho ouvido preocupação e registado dúvidas sobre este orçamento rectificativo, da sociedade civil e de organizações internacionais, nomeadamente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, entre outros.
A crise alimentar e a incerteza económica a nível internacional exigem de nós, mais do que nunca, grande rigor e contenção nas contas do país.
Para Timor-Leste, quase 800 milhões de dólares é muito dinheiro.
Os auditores internacionais, em particular o Conselho Consultivo do Parlamento Nacional, do Fundo do Petróleo de Timor-Leste, consideram que a gestão sustentada dos recursos daquele fundo, tal como previsto na lei do Fundo Petrolífero, aconselha a usar só 396 milhões de dólares este ano. Mas o orçamento rectificativo propõe retirar quase 800 milhões.
É uma diferença muito grande. É preciso saber onde é que o país vai gastar tanto dinheiro: vai gastar em quê – e como é que essa despesa beneficia o povo e o país.
Algumas obras e investimentos podem, agora, custar muito dinheiro, mas gerar riqueza no futuro.
Por exemplo, a construção de estradas e pontes, o investimento em telecomunicações, em obras de irrigação, para aumentar a nossa agricultura, entre outros investimentos económicos, são despesas elevadas mas desenvolvem o país e criam emprego.
Para investimentos desse género, vale a pena ir buscar mais dinheiro ao Fundo de Petróleo, porque gasta-se mais agora, mas o investimento serve para aumentar a riqueza no futuro.
Mas o Orçamento Rectificativo que eu recebi não contempla isso.
Pelo contrário, o orçamento rectificativo prevê gastar cerca de 800 milhões de dólares, mas só 15 por cento são para Capital de Desenvolvimento.
Quer dizer que por cada dólar do orçamento rectificativo, o Governo quer gastar 85 cêntimos em despesas do dia-a-dia e 15 por cento em investimento para o futuro.
Por outro lado, o orçamento rectificativo não esclarece todas as dúvidas que me colocaram sobre a própria despesa corrente – quer dizer, as tais despesas do dia-a-dia.
Por exemplo, o governo criou um Fundo de Estabilização Económica (FEE) e quer dotá-lo com 240 milhões de dólares.
Compreendo que se justificam medidas de intervenção perante o aumento dos preços dos alimentos e de regulação dos preços de outros produtos fundamentais.
Questionei ontem o Sr. Primeiro-Ministro, se não seria, talvez, mais adequado que o dinheiro necessário para garantir o fornecimento de alimentos de primeira necessidade estivesse orçamentado na Segurança Alimentar? Igualmente, se o dinheiro que o Governo pediu para a intervenção no mercado de produtos não – alimentares não poderia estar na própria reserva de Fundo de Contingência do Governo?
Há dúvidas e preocupações que o orçamento rectificativo suscita que não têm uma resposta clara.
Por exemplo, o Orçamento Geral do Estado para 2008 tinha já uma verba de 3 milhões e meio de dólares para viagens ao estrangeiro. O Orçamento Rectificativo aumentou, agora, aquela verba para um total de 6 milhões.
As viagens dos ministros ao estrangeiro são, muitas vezes, justificadas e são necessárias. A população compreende isso. Eu não tenho dúvidas sobre isso.
Mas a preocupação que me transmitem é: será razoável e necessário gastar tanto?
Este Orçamento Rectificativo é para 5 meses apenas.
Quantas viagens vão os membros do governo fazer ao estrangeiro e quanto é que vão usar em cada viagem para gastarem 6 milhões de dólares num ano?
Temos de saber gastar com prudência os dinheiros do Estado, sobretudo em tempos de crise.
Eu estive no governo vários anos e sei que não é fácil conciliar todos os pedidos dos vários ministros.
Apelo ao Ministério das Finanças para que defina regras e critérios eficazes e estabeleça prioridades. Têm de ser as Finanças a dar o exemplo e a velar pelo equilíbrio e a clareza do conjunto do Orçamento.
A todo o governo, em geral, faço um apelo à contenção e ao rigor.
Em tempos de crise, o governo tem um dever acrescido de contenção nos gastos e de rigor na avaliação das despesas, tendo em vista definir as prioridades nacionais de forma sequencial, equilibrada e justa.
O Orçamento Geral do Estado é o instrumento fundamental para realizar a justiça social e corrigir desequilíbrios económicos.
Por isso, o Orçamento Geral do Estado tem de ser, principalmente, um documento rigoroso, um documento claro, que não deixe dúvidas a ninguém – nem ao povo, nem à comunidade internacional, que sempre nos tem apoiado.
Tenho o dever de contribuir no exercício do meu mandato para que Timor-Leste seja uma sociedade mais justa, em que o Estado olhe para todos por igual, para ricos e para pobres, ajudando mais, quem mais precisa.
O nosso Estado existe para ajudar a criar mais justiça e mais igualdade de oportunidades em Timor-Leste e, dessa maneira, melhorar a vida do povo.
Como Presidente da República, quero contribuir para garantir que o rigor e a transparência das contas do Estado não levantem dúvidas e ajudam aos objectivos nacionais de atingir mais equidade, mais justiça social, mais estabilidade e harmonia.
O Presidente da Republica não deseja tornar ainda mais difícil a gestão do país. Reconheço a boa-vontade e a determinação do Governo chefiado pelo nosso irmão Kai Rala Xanana Gusmão em tudo fazer para desenvolver a nossa economia com uma forte intervenção, pro-activa, do Estado.
Por outro lado, tomei conhecimento de que no Tribunal de Recurso deu entrada uma acção judicial subscrita por deputados, com base no artigo 150º da CRDTL, requerendo a Fiscalização abstracta da constitucionalidade da decisão do Governo em criar o Fundo de Estabilidade Económica por Decreto-Lei.
A credibilidade das contas do Estado é do interesse de todos. É do interesse do Governo, é do interesse dos outros órgãos de soberania, e é do interesse do povo.
Reuni-me ontem com o Primeiro-Ministro, Kai Rala Xanana Gusmão, e membros do Governo cerca de três horas, em que fui informado e, de certa forma, esclarecido em relação às minhas dúvidas e preocupações como referi.
Não tenho a menor dúvida quanto às mais nobres intenções do Primeiro-Ministro em tudo fazer para que a nossa economia arranque com base num projecto sustentável que beneficie os pobres e marginalizados da nossa sociedade.
No entanto, muitas dúvidas e preocupações prevalecem.
Sendo minha obrigação de fiscalizar a constitucionalidade das normas, assim como é do Parlamento Nacional, estarei atento à execução orçamental nos restantes cinco meses deste ano fiscal. Consultarei com o maior partido com assento no Parlamento, a Fretilin, e outros que o queiram, bem como individualidades destacadas da nossa sociedade civil, sobre a forma como esse Fundo de Estabilidade Económica, a ser declarada constitucional pelo Tribunal de Recursos, deve ser gerido.
A minha preferência, mas que não posso impor, é que o Governo encete dialogo com o partido maioritário para se criar um mecanismo de acompanhamento, gestão e execução desse fundo.
Aliás, este método deveria ser praticado pelos Governos para todas as questões de grandes implicações para o presente e o futuro do nosso país, tais como a gestão do fundo de petróleo e de outros recursos naturais, investimentos de larga escala que requerem execução a longo prazo, concessão de terrenos para fins de investimento, reforma administrativa, política educacional, e outros de relevância nacional.
O nosso país deve evitar tomadas de decisões que afectam os superiores interesses do país sem que sejam fruto e resultado de consultas, debate e consenso.
Numa palavra, temos de começar a desenvolver a cultura do respeito ao princípio da continuidade do Estado, independentemente do partido que estiver no poder.
Por todas as razões citadas, decidi aguardar, em primeiro lugar, que o Tribunal de Recursos opine sobre a constitucionalidade do Fundo de Estabilização Económica, assim como dar tempo ao Governo para que esclareça a opinião pública Timorense e a comunidade internacional, da razão deste Orçamento Rectificativo.
De regresso da minha viagem da China, onde manterei contactos com o Presidente da República Popular da China, Hu Jin Tao, e o Primeiro-Ministro da Austrália, Kevin Rudd, e da Visita de Estado às Filipinas, tomarei uma decisão final quanto à promulgação ou não do Orçamento Rectificativo.